terça-feira, novembro 08, 2005

Mas a torrente secou...



Então, Elias, o tesbita, dos moradores de Gileade, disse a Acabe:
Tão certo como vive o SENHOR, Deus de Israel, perante cuja face estou,
nem orvalho nem chuva haverá nestes anos, segundo a minha palavra.
Veio-lhe a palavra do SENHOR, dizendo:
"Retira-te daqui,
vai para o lado oriental e esconde-te junto à torrente do Querite, fronteira do Jordão.
Beberás da torrente; e ordenei aos corvos que ali mesmo te sustentem".
Foi, pois, e fez segundo a palavra do SENHOR;
retirou-se e habitou junto à torrente de Querite, fronteira ao Jordão.
Os corvos lhe traziam pela manhã pão e carne, como também pão e carne ao anoitecer;
e bebia da torrente. Mas, passados dias, a torrente secou, porque não chovia sobre a terra.
I Reis 17.1 a 7

Acima lê-se a narrativa de um encontro entre o rei Acabe e um dos profetas mais conhecidos da história dos judeus. A narrativa conta o fim de uma conversa do profeta com esse rei cujas ações vinham demonstrando um desvio em relação às crenças de seu povo. Nessa conversa, o profeta anuncia ao rei que, em conseqüência de suas ações, aquela nação sofreria uma ação disciplinadora da parte de seu Deus.
Lendo esse texto em busca de edificação espiritual, não pude deixar de notar determinados pontos que me pareceram muito relevantes, como também de inferir algumas instruções que são preciosas para minha vida:
1) "Tão certo como vive o Senhor" - as palavras anunciadas pelo profeta não são dele mesmo. Ele as ouviu de um Deus que vive. E esse fato - o de que ele é um Deus que vive - não é mera pressuposição do profeta. Tão certo quanto Deus vive, aquilo que suas palavras anunciam acontecerá. Quando, mais tarde, de fato, aconteceu, todos podiam saber que o Deus que falou ao profeta era mesmo um Deus que vive.
2) "Deus de Israel" - o anúncio de que Deus agiria de modo disciplinador não era um sinal de que ele tivesse deixado de ser o seu Deus. Pelo contrário: era um ato disciplinador e não ato de vingança. Ele os disciplinaria exatamente para mostrar-lhes que ele se importava com o modo como vivam. Não lhes era indiferente.
3) "perante cuja face eu estou" - isso é o que pode explicar o poder que se evidencia na vida desse profeta. A vida daquele que está perenemente perante a face de Deus não pode ser menos do que espetacular. Mas, pela mesma razão, sua vida causava grande impacto sobre a vida de outras pessoas, além de ser motivo de incômodo para os que servem ao reino da morte. Elias pertence ao reino do Deus que vive. Estar perante a face de Deus é usufruir da possibilidade de saber de si mesmo, de alcançar consciência da própria identidade. Isso se deve ao fato de que, quando Deus criou o homem, ele o fez à sua imagem e à sua semelhança. Estar perante sua face é esquivar-se da crise resultante da ignorância acerca de si mesmo, pois, sendo nós a sua imagem, contemplar a face dele é conhecer nossas origens e descobrir quem somos nós. De fato, é voltar à posição singular na qual encontramos respostas para nossas indagações mais profundas acerca da pessoa que somos. Essa é a razão porque o profeta tem a força e a firmeza que suas palavras demonstram. O profeta é a imagem e semelhança de seu Deus.
4) "nem orvalho, nem chuva durante três anos" - para um povo que habitava a região da Palestina, não ter chuva pelo período de três anos representava uma verdadeira catástrofe. E, embora estivessem acostumados a aproveitar o orvalho especialmente nos períodos de seca, o profeta acrescenta: "nem orvalho". As pessoas haveriam de comer e de beber o que já tinha sido colhido, o que já tinha sido ajuntado. Depois disto, a maior certeza era a morte. Deus é severo. Não é de brincadeira. O seu povo é obstinado em sua rebeldia. E o seu profeta mantinha a postura de quem estava constantemente perante a face do Deus vivo.
5) "segundo a minha palavra" - essa é, de fato, uma expressão muito forte na fala do profeta. Ele conhecia bem a quem estava servindo. Sabia que seu Deus honraria a palavra de seu profeta. Nenhum de seus termos estava em insegurança. Nessa hora, Nessa hora, a palavra do profeta é a palavra do seu Deus e, portanto, infalível.
6) "Veio-lhe a palavra do Senhor" - isso além de reafirmar o fato de que Deus está vivo mesmo, mostra que são dele as iniciativas. Ele está na posição de SENHOR. Sua fala é inteligível e o seu profeta o compreende. Ele é um Deus pessoal que se comunica direta e pessoalmente com o seu profeta, seu servo. Mas sua fala também cria oportunidade para que a fé de seu servo se reafirme, porque dá ordens e faz promessas. Manda-o para uma região onde há uma fonte de água (mas que em breve deverá secar-se) e ficar à espera da providência do alimento que virá de forma bastante incomum (trazida por corvos ordenados por Deus a sustentarem o profeta).
7) "Foi, pois, e fez segundo a palavra do SENHOR" - por mais estranha que fosse a ordem do SENHOR, o seu servo - em perfeita interação com ele - reage de forma a mostrar sua confiança na promessa sobrenatural de Deus e sua dependência absoluta dele. Não questiona. Não refuta. Obedece. Não em parte, mas completamente, 'segundo a palavra do SENHOR'. Está pronto a obedecer de imediato, sem vacilar.
8) "Os corvos lhe traziam pela manhã pão e carne, como também pão e carne ao anoitecer; e bebia da torrente" - um cardápio simples, mas completo. Ele dá o pão para cada dia, suprindo as mais básicas necessidades de seus filhos. Na medida: sem sobrar se sem faltar, pela tarde e pela manhã. Deus conhece a estrutura daqueles que ele mesmo arquitetou e construiu. Cumprindo cada parte de sua promessa. Não bênção pela metade. Além disso, dispõe de todos os elementos de sua criação. Tudo lhe pertence e está a seu serviço.
9) "Mas ... a torrente secou" - findou-se esse tempo na vida do profeta, durante o qual ele esteve vivendo de si para si mesmo, numa postura passiva, de total dependência. Como disse o sábio Salomão, há tempo para todo propósito debaixo do sol. Houve um tempo para o profeta ficar à mercê do inteiro cuidado de Deus que supria totalmente suas necessidades através de meios externos ao profeta, mas agora ele está no limiar de um tempo em que ele será usado para suprir a necessidade de outros. Entre esses dois momentos está a fonte que seca. A fonte seca e isso prova a fé do profeta que aguarda novas orientações e novas promessas de Deus. Haverá Deus de continuar a suprir suas necessidades mais básicas agora, justamente agora, quando a seca é mais intensa e quando a terra nada produz e a fome se multiplica nas casas? Mas se o secar da fonte representa um momento de prova da fé que o fará continuar dependente de Deus, representa também a confirmação de Deus para com a palavra do profeta dirigida ao rei. De fato, tão certo como vive o Senhor, a chuva não veio, a fonte secou. E então o profeta há de sair desse retiro e ir ao encontro das pessoas que sofrem porque todas as fontes secaram. É a hora quando Deus lhe diz: ‘Vai à cidade de Sarepta..."
É inevitável perceber que o profeta de Deus anuncia sua palavra e, às vezes, trata-se de uma palavra de disciplina para com aqueles a quem Deus quer reaproximar de si mesmo. O calor dessa ação poderosa de Deus, produz efeitos que atingem também ao profeta. Ele não está imune às dores que advêm das ações disciplinadoras de Deus para com aqueles que cercam o profeta. De fato, a maior parte dos sofrimentos que se experimenta aqui, neste lado da eternidade, são meras conseqüências de viver-se num mundo atingindo pela queda no pecado. Assim como se deu com o profeta, não estamos livres das conseqüências de ações de pessoas rebeldes contra Deus, mas estamos sobrenaturalmente protegidos de seus efeitos. A 'vara' de Deus sobre os que insistem em rebelar-se contra ele, tem suas ressonâncias sobre mim. Mas também, como aconteceu com o profeta, devo estar disposta a obedecer-lhe incondicionalmente, por mais absurdas que me pareçam suas ordens e até mesmo suas promessas. É isso que me levará a desfrutar da poderosa ação de Deus, que é SENHOR sobre toda a natureza, suprindo-me nas mais básicas de minhas necessidades.
E quando a fonte secar, será sábio agir como agiu o profeta: sem queixumes, sem lamentações. Os lugares mais promissores podem tornar-se em alvos de ataque, visados por inimigos. Será a oportunidade para trocar a solidão do lugar seguro por aqueles onde estão pessoas necessitadas às quais Deus abençoará por meu intermédio.
Com Deus, a vida não é uma rotina interminável, carregada de mesmices. Pelo contrário: Deus transforma nossas vidas em grandes aventuras cheias de novidades.

quinta-feira, novembro 03, 2005

Conversando com o Pastor das ovelhas

Eu sou o pastor das ovelhas. Sou o bom pastor.
Eu conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem.
Eu as chamo pelo nome elas me seguem,
porque conhecem a minha voz.
Eu sou a porta das ovelhas.
Quem entrar por mim achará pastagens.
Encontrará liberdade para ir e vir.
João 10 (paráfrase)

Inicio a grande aventura de seguir, como ovelha, ao meu Bom Pastor que, ao abrir a porta do aprisco, conduz-me para fora – para as boas pastagens, para o exercício físico e para teste disciplinar; para as águas frescas e para aprender a andar sempre nos caminhos das justiça. A cada dia, reinicio essa aventura e ela é, em cada uma das vezes, inimaginavelmente nova.
Aprendo, desde cedo, a segui-lo mesmo para os vales sombrios, onde a sua presença é ainda mais sensível e também mais urgente e a disciplina é fundamental. Descubro que nesses vales é que as águas são incrivelmente frescas, como em nenhum outro lugar. É ali que a paisagem tem um encanto tal que eu bem poderia dizer que é um verdadeiro espetáculo, um show de beleza indescritível.
Está-se desenvolvendo o processo de aprender a encarar o adversário de frente, sem, todavia, estabelecer qualquer relação com ele. Sento-me à mesa do meu Pastor, em íntima comunhão com ele. Sua presença é deliciosa e ele manda que eu seja servida do manjar cujo sabor as palavras não dão conta. Sou ungida com óleos tais que refrescam desde a superfície de minha pele até os ressecamentos mais profundos de minha alma. Ao servir a minha taça, enche-a até transbordar. Parece mesmo fabuloso que tudo isso se dê perante os olhos de quem se fez meu inimigo e que muito se desagrada da cena que assiste. Assiste furioso, mas impotente: estou à mesa de meu Pastor.
Cada dia, torno a constatar que esse é mesmo o Criador que viu sua obra de arte quebrar-se e parecer arruinada, mas que é Todo-Poderoso o suficiente para conceder à minha pequena e frágil alma a graça de uma existência substancialmente livre e ousada, cercada de bondade e misericórdia, num mundo que jaz no maligno. Mas o melhor de tudo isso é saber que assim será até aquele dia quando, mais que sua hóspede de honra, instalar-se-á a adoção, o meu estabelecimento definitivo na posição de filho na casa onde passarei a habitar por dias que não terão fim.