terça-feira, dezembro 20, 2005

Aquietai-vos e sabei


Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus.
O SENHOR dos Exércitos está conosco;
o Deus de Jacó é o nosso refúgio.
Salmo 46.10-11

Os autores do Salmo 46 ensinam que não há por que temer, mesmo diante de lutas e de provações. Descrevem uma imensa tempestade e contam de tempos de guerra que a tudo destrói. Convidam para buscar no SENHOR o refúgio em se habita seguro, por mais intensa que seja a tempestade, por mais rigorosa que seja a guerra.
Mas uma coisa é lutar em meio às tempestades que nos cercam e outra, muito diferente, é tratar com elas quando invadem nossos esconderijos secretos, os recônditos da alma e põem lama até a metade das paredes da casa que somos.
A tempestade que invade a alma é também instrumento de destruição. Quebra nossos tesouros antigos, dissolve os papéis de nossas lembranças, de nossos compromissos; mancha e embaça as nossas certezas e despedaça entradas e saídas, consumindo, assim, nossa liberdade – a possibilidade de ir e de vir.
Esse ambiente interior em nada difere da cidade sitiada, de muralhas rompidas, de estruturas destroçadas, com suas casas queimadas e pessoas aprisionadas e feridas.
Quando a cidade esmagada é o mundo interior – os nossos próprios corações –, quando o vendaval da tempestade escurece e torna escorregadio os lugares desconhecidos do espírito humano, já não é um refúgio que nos pode acalentar, mas é a fortaleza que vem como a esperança da alma.
Enquanto o refúgio é o lugar seguro para guardar-nos da guerra e da tempestade ao nosso derredor, a fortaleza é a segurança que age de dentro para fora, instalando, na base mais profunda do ser, a esperança como âncora da alma.
E a âncora não falha: desempenha sua função de conferir estabilidade. Ela não interfere na tempestade, não reduz a força nem a altura das ondas; não torna límpida a correnteza nem diminui a velocidade dos ventos. A âncora da alma – a esperança instalada pela fortaleza – interfere mesmo é naquele que enfrenta a tempestade, firmando, confirmando e fortalecendo o aflito e atribulado.
A razão de tudo isso é que há uma voz que fala do centro da fortaleza; uma poderosa voz que supera o som das muitas águas, o ressoar do vento tempestuoso e o estrondear de armas aterradoras . É isso o que ela diz: "Aquietai-vos". "Eu sou Deus"- estou no controle. "Faço cessar a guerra, quebro o arco e despedaço a lança, queimo os carros no fogo". Por mais intensa que seja a escuridão da noite tempestuosa, assegura a voz que vem do centro da fortaleza: "Estou convosco, aquietai-vos, estou convosco".

segunda-feira, dezembro 19, 2005

O lugar seguro em tempos de tempestade


Ainda que terra se transtorne e os montes se abalem no seio dos mares, não temerei...
Salmo 46.2

Não são muitos os tsunamis na história do nosso planeta. Felizmente. Felizmente, também, as tempestades que fazem estremecer nossas almas também não são muitas. Todo marinheiro, todavia, sabe que as pequenas tempestades são muito mais comuns.
O Salmo 46, da autoria dos filhos de Coré, certamente não está tratando de uma lista de regras para ajudar um marinheiro que sai a navegar. Na verdade, os autores buscam, no contexto das tempestades que vêm sobre os marinheiros que estão no mar, uma metáfora para fazerem alusão às tempestades que alcançam a alma humana.
São muitas e de diferentes intensidades as tribulações que enfrentamos, as tempestades que recobrem os céus dos mares em que navega a nossa alma. Há, inclusive, dias e noites em que as altas ondas são tão bravias que nos fazem pensar que vamos sucumbir sob sua força. Há momentos em que o chão sob nossos pés se transtorna e mais parece areia movediça. Há situações em que as águas tumultuam e expressam grande fúria, lançando-nos para frente e para trás. Os montes se abalam e estremecem – justamente os montes que metaforizam lugar de segurança, o lugar de onde é possível ver o inimigo antes que esse se aproxime demais. Justamente os montes que proporcionam o descanso do tempo nos vales... justamente eles, os montes, abalam-se e estremecem, abrindo-se em fendas perigosas que darão origem aos vales de sombra e de morte.
Na verdade, quem observar com atenção verá que, na vida, há mais tempos tempestuosos do que tempos de calmaria, simplesmente porque há um dinamismo em tudo que existe, qualquer que seja sua ordem, como parte de um grande plano que se encontra em execução. O importante é estar consciente dessas coisas e preparado para elas, correndo para o refúgio e fortaleza que é o SENHOR.
Não importa o tamanho da tempestade, nem a altura das ondas. Não temeremos, porque ELE é socorro bem presente nas tribulações.

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Meu refúgio e minha fortaleza



"Ainda que os montes que estão
no seio dos mares se abalem,
ainda que as águas tumultuem e espumejem
e na sua fúria os montes se estremeçam..."
Salmo 46.2
A instabilidade que se percebe na natureza é, provavelmente, resultado do dinamismo que está presente nas leis a que ela obedece, as quais têm, justamente, a função de conferir-lhe estabilidade.
Tudo no universo existe num dinamismo tal que, visto microscopicamente ou pelos menos mais de perto, nas unidades de seus eventos, mais parece a presença do caos. Mas o próprio caos não é ‘caótico’ no sentido de não possuir ordem.
Alguém poderia pensar que os filhos de Coré, na composição do Salmo 46, estivessem refletindo sobre a natureza e sua instabilidade; sobre as relações internacionais e sua instabilidade. Todavia, o Salmo trata da estabilidade e segurança que há em Deus: refúgio e fortaleza. É por isso que as idéias dos salmistas vêm na seqüência em que as encontramos.
Já de início, há uma assertiva "Deus é nosso refúgio e fortaleza". Como se vê, o olhar do compositor está firmado nos atributos de Deus, na segurança que disto procede, tanto da perspectiva interna quanto externa. As conclusões que seguem a assertiva inicial nela se baseiam.
Um perigo que se corre na leitura desse salmo é o de ignorar a palavra ‘portanto’ que estabelece uma relação gramatical de coordenação e não de subordinação entre as orações ‘Deus é o nosso refúgio e fortaleza... portanto não temeremos...". A palavra destacada é uma conjunção que enuncia uma conclusão (não temeremos), baseada no fato de que Deus é nosso refúgio e fortaleza". E por que alguém correria o risco de ignorar tão importante palavra? Por causa de uma outra conjunção que o salmista também usa, "ainda que", na seqüência do texto. Essa sim, cria um laço de subordinação desta oração em relação a "não temeremos". Outras palavras que teriam traduzido muito bem a idéia seriam embora ou conquanto. Tanto essas como as que aparecem aqui em epígrafe, falam de concessão, que o dicionário explica como sendo uma indicação de uma oposição ou restrição ao que se encontra expresso na oração subordinante. Diante dos fatores enumerados, o esperável é que muito se temesse, mas os salmistas dizem ... não ficaremos com medo.
Montes que se abalam, águas que tumultuam e espumejam, montanhas que estremecem são elementos normais de uma natureza que se transforma continuamente, num movimento dinâmico e condizente com suas próprias leis. Nesses elementos atuam forças muito maiores que aquelas que caracterizam os ainda mais dinâmicos e instáveis humanos mortais. Não temer é uma atitude daquele cujos olhos fixam-se não na turbulência dos montes e dos mares, mas no Deus que é refúgio – lugar onde alguém se abriga para fugir do perigo – e fortaleza – constância, segurança e solidez.
Isto posto, é inevitável concluir que não foi do meio da turbulência que os compositores do salmo 46 vislumbraram a Deus, como se estivessem sendo motivados a correr para o abrigo por causa do medo causado por rumores que vinham de todos os lados. Antes, foi do recôndito aconchegante e seguro, de dentro do lugar de refúgio, das alturas da fortaleza – de lá – foi que os salmistas contemplaram o caos e disseram: conquanto tudo se transtorne, nada temeremos.