quinta-feira, junho 22, 2006

Um altar para um encontro com Deus


...não apresentarei ao SENHOR, meu Deus,
ofertas que não me custem nada.
Assim, Davi comprou a eira e os bois.
...o SENHOR se tornou favorável ...
2 Samuel 24. 24-25

Tanto os livros de Samuel como parte dos livros das Crônicas contam a história do rei Davi. Samuel apresenta-o como pecador, falho, pai de família ausente, praticante da poligamia, enfim, apresenta o rei Davi – homem. Isso é muito relevante se lembrarmos que Samuel é o último dos juízes, e foi substituído por Saul, o primeiro rei, o qual foi sucedido por Davi, chamado por Samuel de "homem segundo o coração de Deus".
O capítulo 24 do Segundo Livro de Samuel narra mais uma das experiências do rei Davi. É assim que Samuel encerrará sua narrativa sobre o rei Davi: o homem pecador, o pecador quebrantado e contrito, arrependido e perdoado.
Provação, tentação e queda
A narrativa começa com a apresentação de um grande problema: Deus está irado com Israel e incita seu rei, Davi, a levantar o censo de Israel e de Judá. Diante do levantamento do censo, Davi será tentado a assumir uma atitude de soberba, orgulho e vaidade.
Tiago (1.12-13) usa uma palavra grega que ora é traduzida por provação, ora por tentação (peiramós). E o escritor é enfático em esclarecer que Deus não tenta ninguém. No entanto, ele prova os seus. A prova muitas vezes vem a existir em um coração tomado do pendor da carne que dá para a morte. Ou seja, diante de algumas provas, a pessoa prefere entregar-se a seus próprios desejos, por vezes carnais, inimigos de Deus. É quando então, diante da provação seus desejos caídos, pecaminosos o tentam.
O diabo tenta. O coração do homem caído tenta. A tentação ou vem de dentro da própria pessoa ou vem de Satanás e, nesse caso, trabalha em cooperação com o coração do ser humano caído. Ele sozinho não tem poder de forçar à prática do pecado, mas contribui para aumentar as probabilidades da queda, promovendo a intensificação do desejo do coração do homem caído. A tentação só procede de fonte corrompida. Jamais de Deus.
Como pode ser isso? Deus incita Davi a fazer algo que, mais tarde, será punido como pecado. Se Davi tivesse levantado o censo sem ter-se envaidecido pela grandeza do seu próprio reino, não constituiria isso um pecado. Mas Davi, cujos valentes o autor do livro acabara de enumerar, sentiu a grandeza de seu reino, seu grande poder de guerra, sua força para as batalhas. Eis o pecado que jaz à sua porta. Como Deus dissera a Caim: "O teu desejo será contra ti. A ti cumpre dominá-lo". Coisa que Davi não fez.
Joabe, General do rei, percebe sua atitude errada diante da prova, esforça-se para dissuadi-lo de realizar o censo, mas o rei está resolvido a fazê-lo.
Fuga para Deus, em contrição e busca de perdão
Feito o censo, engrandecido o rei em sua vaidade e glória pessoal, aproximam-se as conseqüências do erro. Mas, então, manifesta-se o lado de Davi que sempre agradou a Deus: um coração capaz de quebrantar-se até o pó. Davi era assim apresentado: como um pecador sim, mas um pecador que não endurece, em cuja vida o pecado não cristaliza, não cria mofo, não envelhece. Sua maior habilidade não era a do guerreiro, não era a do grande administrador do reino. A grande marca distintiva de Davi era sua prontidão para arrepender-se verdadeiramente e mudar o rumo de suas ações. Era capaz de sentir uma tristeza tal por suas próprias faltas, de rasgar vestes, alma e coração na presença de Deus; mostrar-se um pecador que, consciente de seu pecado, corre, não para longe de Deus a fim de evitar encarar seus próprios pecados – mas corre para Deus. Como um menino travesso que, depois de feita a travessura, corre e se agarra às pernas do pai, com tanta proximidade, com tanta força, que chega a amolecer o coração do pai. Como o menino travesso cujo pai docemente o faz largar suas pernas,fita-o de frente e diz: "a vidraça do vizinho terá de ser paga", "a roupa rasgada terá de ser emendada", "o vaso quebrado precisará ser substituído": "vou pagar o preço e quitar a sua dívida. Mas você precisa saber que suas ações têm conseqüências. Alguém tem de pagar a conta".
É por isso que Davi se entristecia com o seu pecado. É por isso que ele é um bom modelo para repensarmos nossas vidas e entristecermo-nos com a tristeza de Deus – movida pelo Espírito – entristecermo-nos por causa de nossos pecados e corrermos para Deus, sabendo, com gratidão, que ele ficou com a conta a ser paga e nós com as marcas que não evitamos deixar em nossos caminhos.

Reconciliação: nova oportunidade para a obediência
Como foi no caso de Pedro que negou Jesus três vezes, à reconciliação junta-se a oferta de uma nova oportunidade para a obediência. No caso de Davi, Deus lhe dá como mandamento erguer um altar. Um altar é um lugar de encontro. Uma vez que o pecado separa o homem de Deus, Deus quer promover o encontro.
Quando Pedro, o discípulo, negou Jesus três vezes, este foi ao seu encontro na praia, durante uma pescaria. Ele, que conhecia o coração quebrantado de seu discípulo, quis então lhe oferecer a oportunidade do encontro. O encontro se dá no altar do perdão. O encontro se dá no altar da gratidão.
É isso que Davi busca simbolizar. Deus lhe ordenara que o altar fosse numa eira, cujo dono era Araúna. Davi sabia que o altar do seu encontro com Deus teria de ser numa eira que lhe pertencesse. Não se promovem encontros pessoais com Deus no altar de adoração dos outros. Na eira de outros. O altar deveria ser de Davi, na eira de Davi, para o encontro de Davi com o seu Deus. Davi compra a eira. Paga por ela o preço devido.

O simbolismo elaborado por Davi consistia da construção de um altar para a oferta de sacrifícios. Não há sacrifício sem altar. Não se justificam altares sem sacrifícios. Constroem-se altares para oferta de sacrifícios. Depois de comprar a terra, Davi compra também os bois por preço devido, embora Araúna lhos quisesse dar de graça: "não oferecerei ao Senhor sacrifícios que não me custem nada". Ao contrário do que muita gente pensa, Deus espera excelência em nossas ofertas. Deus é digno de nada menos que o melhor.

Há um preço a ser pago. A dívida que era impagável, do ponto de vista humano, Jesus já quitou com o preço de sua própria vida. O preço a ser pago agora no serviço a Deus, na adoração, é o preço da honra. Quando o profeta Malaquias disse que o povo estava desprezando a Deus através de seus sacrifícios de péssima qualidade, estava dizendo que o povo havia deixado de honrá-lo. Não se presta honra sem esforços, sem custos, sem trabalho. Não se presta honra ofertando o que não possui qualidade.
Adquirida a terra e os bois, Davi oferece holocaustos e sacrifícios pacíficos. O animal que morria no lugar do adorador pecaminoso representava a redenção da morte merecida pelo pecador. Todavia, sangue de animal jamais pôde trazer perdão de pecados. Deus ensinou que assim se fizesse como um ato simbólico que apontava para um sangue que, mais tarde na história humana, haveria de ser derramado – o sangue de Jesus Cristo – necessário e suficiente para a total reconciliação entre o homem e Deus.
A narrativa encerra-se afirmando o fato de Deus tornar-se favorável para com o pecador que, em lugar de endurecer-se em seu coração, reconhece-se faltoso e corre para Deus em busca de perdão e restauração do relacionamento com ele.

quarta-feira, junho 07, 2006

Olhos para ver, coração para perceber...

... não podiam crer, como disse o profeta Isaías:
Seus olhos estão cegos e endurecidos os seus corações,
para que não vejam com os olhos, nem entendam com o coração...
e sejam por mim curados. João 12.39,40

Nessa época do ano – desde o inverno até o início da primavera –, a maior parte da cidade está enfeitada de Ipês rosas, roxos, brancos e amarelos. É nada menos do que um espetáculo gratuito à mercê do olhar dos transeuntes. No entanto, isto passa despercebido para a maioria das pessoas. O que poderia estar roubando a cena de tão ilustres atores?

Talvez as pessoas não lhe voltem os olhos por acharem essa cena bucólica demais. Por serem defensores dos ideais modernos da vida urbanizada, tecnologicamente enfeitada pelas altas torres de TV e de telefonia, por exemplo. Mas as flores que caem ainda reclamam, sedutoramente, criando uma cobertura colorida para o chão do centro da metrópole, próximo também dos trilhos do veloz metrô. É possível que haja gente que ainda pensa maquinalmente que a cor do ferro e do concreto é que embeleza a cidade. Mas, certamente, isso não explica tudo, talvez não explique nada...

A explicação, provavelmente, é outra. Há olhares que se dispersam para outros valores, para bens materiais mais duradouros que a flor que, hoje, enternece, mas que completa seu curso de vida em não muito mais do que alguns dias. Há muitos que sonham o sonho do capitalismo enganador e seus olhos só pairam nas últimas versões de carros com cores metálicas impactantes ou nas grandes construções – que poderiam elas habitar, na roupa da moça bonita, que alguém sonha vestir para, quem sabe, também se tornar igualmente bela.

Mas há, ainda, um grupo de cujos olhos as encantadoras flores dos ipês de muitas cores são, de fato, objeto. Podia-se dizer até que eles as olham, mas não as vêem. E por que não? E se as olham e não vêem, o que vêem, então? Seus olhos físicos batem em qualquer coisa no caminho, pousam até mesmo sobre as flores da cidade. Mas os olhos da alma não fazem o mesmo. Esses ainda olham as cenas de um passado recente ou longínquo que impressionaram a retina e se cristalizaram na mente. Cenas como a da mão ríspida do pai que, no amanhecer do dia, repousa sobre o travesseiro como que descansando do pesado trabalho de, num ato de ira, expressão de ódio, fazer o filho entender o quanto o despreza. Cenas como a da despedida do amor que nasceu tão cedo no coração da menina, a menina que, de tão apaixonada, ofereceu toda prova a quem só queria aproveitar-se e partir; a cena que vê, ao olhar para si mesma e perceber que está se multiplicando por dois.

Olhos para ver o quê, se o coração é que percebe?! Percebe o desejo de compartilhar a vida com alguém que saiba amar verdadeiramente, alguém que tenha respeito. Percebe o desejo de ser visto do mesmo modo como parece acontecer às flores do ipê que se pintam de tantas cores e quer o mundo enfeitar. É! Esse desejo de ser objeto de um olhar demorado, encantado, comprometido...

É impressionante o quanto a natureza ensina o homem a ser humano. Aquelas flores passageiras fazem um discurso sobre a eternidade. Elas contam que são obra de um Artista que entende de cores e de formas, mas entende também de amor. Elas contam que pessoas são um poema que o Artista escreveu. E contam que Ele pode mudar suas histórias, transformando-as em histórias de pessoas que têm olhos para ver o que realmente mostram as flores dos Ipês, e perceber - dentro da moldura desse quadro - que seu Autor é a fonte de vida e de amor.