segunda-feira, maio 29, 2006

Peso da eternidade


Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo;
também pôs a eternidade no coração do homem,
sem que este possa descobrir as obras que Deus fez
desde o princípio até ao fim.Eclesiastes 3.11

De repente bateu uma saudade enorme. Saudade de não sei o que, saudade de não sei quem. Na verdade nem sei se é saudade mesmo ou se é um desses deliciosos sentimentos que enchem o coração da gente, sem a gente saber o motivo, sem a gente saber de onde vem.
Outro dia, senti um aperto no peito, uma sensação que não era de todo ruim. Minha filha disse que era o peso da eternidade. Não... Não é que eu seja assim tão velha. De fato atravesso uma fase na vida que se costuma chamar de meia-idade. E se a idade ainda está pelo meio, certamente não sou assim tão velha. Mas acho que ela tinha razão: era mesmo o peso da eternidade, da infinitude. É muito engraçado pensar nisso. O coração da gente não tem mais do que o tamanho de uma mão fechada, mas, mesmo assim, consegue carregar qualquer coisa de eternidade, de infinito. É fato que, às vezes, ele dá sinais de suas limitações, como aconteceu comigo, no outro dia... e aquela sensação tão forte chega a fazer a gente chorar.
O grande sábio Salomão já tinha dito que Deus pôs a eternidade no coração das pessoas, mesmo sem elas entenderem. Esse sentimento de eternidade – essa infinitude – tem a extensão sem limites que essas palavras tencionam anunciar. E o que parece é que, quando nascemos, trouxemos essa informação de eternidade que deve ter entrado em nós, quando passamos do não ser para o ser e, mesmo sem perceber – ainda duas células apenas – viemos a existir. Quando ainda não tínhamos esse cérebro que pensa e nem essas entranhas que sentem, mas já tínhamos qualquer coisa em nós que funcionasse como se cérebro fosse para somar na memória, como se entranhas fossem para vislumbrar nossas sensações. E os anos que passam, os dias que se vão ficam tão pequenininhos porque acrescentam àquilo que sempre foi, àquilo que ainda, eternamente, será.
Deve ser uma coisa assim: eu estava em meu pai, quando ele ainda era um garoto pequenino e brincava de fazer carrinho de madeira na fazenda onde morava. Por sua vez, ele estava em seu pai, que estava em seu avô e, assim ad infinitum. Todas as suas histórias são minhas histórias...
De alguma maneira eu estava lá, quando o sol da Via Láctea nasceu, porque, assim como meu pai me carregou nos seus genes quando ainda nem pensava que podia uma moça namorar e eu vim a ser carne de sua carne, imagino que essa estrela, que tornou e torna possível a vida que habita a matéria no meu sistema solar, me permite dizer que sou energia de sua energia e que sua história também é a minha história.
Não acredito em reencarnação. Não acredito em pré-existência da alma. Acredito que o universo é uma declaração (ainda que cheia de limitações), daquilo que Deus é. Trino e Uno. A sua criação é diversa, mas é inter.
Pensar nessa coisa macroscópica ajuda a gente a saber mais de si mesmo. Fica mais fácil entender a nossa insignificância. Mas o paradoxo está em que fica também mais fácil entender, usufruir e sentir a grandeza de nossa significância. Saber que faço parte de um projeto muito maior do que eu, cujos princípios antecedem os inícios da antigüidade, atingindo a ilimitada eternidade. Um projeto no qual faço toda a diferença, já que minha existência contribui (como parte do projeto) a fazer as coisas serem como são nesse meu lugar no cosmos. Saber que o projeto vai além de mim e da minha passagem pela história humana, mas que, uma vez tendo sido, sempre serei ... e que, em outra ocasião, compartilharei dos resultados que esse projeto há de alcançar.
Sei que tem muita gente que não acredita nessas coisas. Acham que somos matéria que hoje respira e amanhã se consumirá, como se não houvesse uma pessoa que veste esse matéria e que dela se despirá, continuando pessoa naquela ocasião que tenho chamado de eternidade.
Sei que tem gente que pensa assim.
Só não sei como é que explicam essa saudade que enche o coração da gente assim, de vez em quando, sem a gente saber de que ou de quem, sem a gente saber nem mesmo se é, de fato, saudade ou se é, na verdade, esse sentimento de eternidade que Deus colocou no coração da gente.

quarta-feira, maio 24, 2006

Não fosse o SENHOR...


Não fosse Senhor...
"Não fosse o SENHOR, que esteve ao nosso lado ....
não fosse o SENHOR, que esteve ao nosso lado .... e teríamos sido engolido vivos;
as águas nos teriam submergido, e sobre a nossa alma teria passado a torrente;
águas impetuosas teriam passado sobre a nossa alma.
Bendito o SENHOR, que não nos deu por presa...
Salmo 124.1-6

"Tem dia que a gente se sente como quem partiu ou morreu" – já dizia a música do Chico Buarque. De fato, há dias em que a gente sente a vida muito pesada. É como se houvesse uma onda no ar, um tsunami à volta da gente, o qual nos lança de um lado para outro quando se tenta mesmo o menor dos movimentos.

Nessas ocasiões, o coração fica como se feito de gelatina fosse. As pernas se tornam trôpegas, os braços esmorecidos. Sente-se totalmente perdido, sem forças e sem direção. Desfalece-se a alma. De repente, a gente começa a se sentir pequeno demais diante da vida e é como se os passos precisassem ser maiores do que as pernas e o horizonte, então, diante dos olhos, tornasse-se maior do que o alcance do olhar.

É algo assim difícil de explicar... Perde-se a visão do todo e o olhar desce ao nível microscópico. Vê-se não mais o corpo, mas, em vez disso, vêem-se trilhões de pequeninas células com suas centenas de microestruturas, todas sobrecarregadas. De repente, o mundo – olhado assim microscopicamente – fica mesmo um mundo muito grande. De repente, não há força que baste para percorrer tamanha distância, lutar batalha tão renhida... parece mesmo que o dia ficou mais longo do que se pode suportar... e a nítida sensação que se tem é de estar-se vivendo em meio a uma guerra. E, conquanto seja necessário, não é fácil encontrar o caminho a trilhar no meio de um campo minado.

O escritor do Salmo 124, na ocasião em que o escreveu, certamente vivia uma situação semelhante a essa. Ele abre o coração e conta que se sentiu como se estivesse prestes a ser engolido vivo. Como se o rio da vida, de repente, tornasse-se em mar bravio e suas águas impetuosas o quisessem submergir, fazendo passar suas torrentes sobre ele. Nessa hora, todavia, ele não estava só. Seu Deus era sempre presente.

Passadas as grandes ondas, o salmista olha para trás e diz: "se não fosse o SENHOR, que esteve ao nosso lado... ah! Se não fosse o SENHOR...

Observando, assim, a experiência do escritor, fazemos coro com a sua voz e dizemos também: se não fosse o SENHOR... ah! Se não fosse o SENHOR que sempre esteve ao nosso lado... Nas horas de turbulência, quando as ondas queriam fazer-nos naufragar, elas nos teriam engolido vivos, elas nos teriam feito submergir... ah! Se não fosse o SENHOR...

Mas certo é que ele sempre esteve e sempre está ao nosso lado. O que nos falta, na maioria das vezes, é aprender a olhar para ELE, em vez de olhar para as grandes ondas. O que nos falta é aproveitar esses momentos em que nos sentimos tão pequenos, tão limitados, com as pernas menores que os passos que temos de dar, aproveitar que ganhamos consciência de nossa finitude e pequenez e, então, entender que o tamanho microscópico é uma característica não apenas nossa: também caracteriza as ondas que, EM RELAÇÃO A ELE, são igualmente pequeninas.

A questão não é recuperar uma visão grandiosa a respeito de nós mesmos. A questão é recuperar a visão da grandeza de Deus e confiança para corrermos para ELE porque, de fato, o mar é bravio e, nele, não dá pé.

Bendito o SENHOR que não nos deu por presa.

quinta-feira, maio 18, 2006

Apoio inabalável


...e não te estribes no teu próprio entendimento.
Prov. 3.5

Estive me lembrando de algumas vezes em que passei por períodos de grande prostração. Ficava assim como resultado de esgotamento físico que, por sua vez, resultava do excessivo trabalho, do labor nos estudos, de lutas com enfermidades na família. Além de tudo isso, somava-se o estresse gerado por situações desnecessárias, tais como a busca de atender as muitas expectativas das pessoas à minha volta, a indignação causada pelos juízos de valores de outros em relação à minha vida, cobranças de todos os lados. Lutas por fora, à volta da gente; lutas por dentro, consumindo da alma suas últimas reservas de energia.
Não pretendo tratar agora das circunstâncias geradoras daqueles estados de prostração. O que me veio à memória nesses últimos dias foi a lembrança do estado propriamente dito e de tudo que pude colher daquela luta.
Lembro-me de vezes em que ajoelhava para orar, para clamar a Deus por socorro. Naquelas horas pensava nas palavras do sábio: "e não te estribes no teu próprio entendimento" (Provérbio 3.5). Aprendi a não apoiar-me em mim mesma. Aprendi, naquelas horas, a apoiar-me em Deus em oração. Confessava-lhe meu total esgotamento, minha absoluta falta de reservas, quer no corpo, quer na alma. Sabia que sequer teria forças para levantar-me da posição em que me colocara para orar.
Assim, aquele cantinho escolhido para essa entrega total diante dele, para ali declarar o reconhecimento da completa falência que se apossava do meu ser –, aquele cantinho se tornava um estribo – semelhante àquele que acompanha a sela do cavalo e sobre o qual o cavaleiro apóia o seu peso para subir no animal. Aprendi, então, a não me estribar em mim mesma, em meu próprio entendimento.
O fato é que, sempre que passava por essa experiência, levantava-me renovada, refeita. Depois de todas as lágrimas vertidas, erguia-me com uma alegria que inundava o meu ser e com meu espírito cheio de paz.
(In)felizmente, a experiência de chegar ao ponto do esgotamento profundo não ficou no passado de minha vida. Talvez até pudesse dizer que existe uma tendência de serem essas experiências cada vez mais profundas, haja vista que o tempo vai passando, o corpo envelhecendo e seus limites vão-se tornando cada vez mais nítidos. Mas, em contrapartida, o amadurecimento advindo dos encontros com Deus nesses vales da vida estabelece muitas diferenças entre o tempo de agora e aquele que se foi. Cada vez estou mais firme no entendimento de que não há em mim mesma uma base sobre a qual estribar-me, e estou cada vez mais firme em minha confiança em que Deus é meu apoio estável, consistente, meu suporte absoluto.
Confie no SENHOR de todo o coração e não se apóie no seu próprio entendimento".