quarta-feira, junho 07, 2006

Olhos para ver, coração para perceber...

... não podiam crer, como disse o profeta Isaías:
Seus olhos estão cegos e endurecidos os seus corações,
para que não vejam com os olhos, nem entendam com o coração...
e sejam por mim curados. João 12.39,40

Nessa época do ano – desde o inverno até o início da primavera –, a maior parte da cidade está enfeitada de Ipês rosas, roxos, brancos e amarelos. É nada menos do que um espetáculo gratuito à mercê do olhar dos transeuntes. No entanto, isto passa despercebido para a maioria das pessoas. O que poderia estar roubando a cena de tão ilustres atores?

Talvez as pessoas não lhe voltem os olhos por acharem essa cena bucólica demais. Por serem defensores dos ideais modernos da vida urbanizada, tecnologicamente enfeitada pelas altas torres de TV e de telefonia, por exemplo. Mas as flores que caem ainda reclamam, sedutoramente, criando uma cobertura colorida para o chão do centro da metrópole, próximo também dos trilhos do veloz metrô. É possível que haja gente que ainda pensa maquinalmente que a cor do ferro e do concreto é que embeleza a cidade. Mas, certamente, isso não explica tudo, talvez não explique nada...

A explicação, provavelmente, é outra. Há olhares que se dispersam para outros valores, para bens materiais mais duradouros que a flor que, hoje, enternece, mas que completa seu curso de vida em não muito mais do que alguns dias. Há muitos que sonham o sonho do capitalismo enganador e seus olhos só pairam nas últimas versões de carros com cores metálicas impactantes ou nas grandes construções – que poderiam elas habitar, na roupa da moça bonita, que alguém sonha vestir para, quem sabe, também se tornar igualmente bela.

Mas há, ainda, um grupo de cujos olhos as encantadoras flores dos ipês de muitas cores são, de fato, objeto. Podia-se dizer até que eles as olham, mas não as vêem. E por que não? E se as olham e não vêem, o que vêem, então? Seus olhos físicos batem em qualquer coisa no caminho, pousam até mesmo sobre as flores da cidade. Mas os olhos da alma não fazem o mesmo. Esses ainda olham as cenas de um passado recente ou longínquo que impressionaram a retina e se cristalizaram na mente. Cenas como a da mão ríspida do pai que, no amanhecer do dia, repousa sobre o travesseiro como que descansando do pesado trabalho de, num ato de ira, expressão de ódio, fazer o filho entender o quanto o despreza. Cenas como a da despedida do amor que nasceu tão cedo no coração da menina, a menina que, de tão apaixonada, ofereceu toda prova a quem só queria aproveitar-se e partir; a cena que vê, ao olhar para si mesma e perceber que está se multiplicando por dois.

Olhos para ver o quê, se o coração é que percebe?! Percebe o desejo de compartilhar a vida com alguém que saiba amar verdadeiramente, alguém que tenha respeito. Percebe o desejo de ser visto do mesmo modo como parece acontecer às flores do ipê que se pintam de tantas cores e quer o mundo enfeitar. É! Esse desejo de ser objeto de um olhar demorado, encantado, comprometido...

É impressionante o quanto a natureza ensina o homem a ser humano. Aquelas flores passageiras fazem um discurso sobre a eternidade. Elas contam que são obra de um Artista que entende de cores e de formas, mas entende também de amor. Elas contam que pessoas são um poema que o Artista escreveu. E contam que Ele pode mudar suas histórias, transformando-as em histórias de pessoas que têm olhos para ver o que realmente mostram as flores dos Ipês, e perceber - dentro da moldura desse quadro - que seu Autor é a fonte de vida e de amor.

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